quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

68 - Matéria do Bom Dia Brasil


Descaso com a vida não tem limites no arquipélago do Marajó (PA)

Após um ano, Bom Dia volta à Ilha do Marajó e mostra que nada mudou: hospitais abandonados, brasileiros em risco.

Reportagem Roberto Paiva e Jorge Ladimar



Ilha de Marajó, no extremo Norte do Brasil, é um pedaço de terra esquecida, cercado de descaso por todos os lados. Um ano atrás, o Bom Dia Brasil mostrou o sofrimento de quem precisa de atendimento médico na ilha. Pessoas pedindo ajuda às autoridades. Mas os pedidos se perderam, ninguém ouviu. Um ano depois, o que se vê por lá ainda é o desconsolo. Dores que não passam, doentes sem tratamento, homens e mulheres que morrem à espera de socorro. Um ano depois, os repórteres Roberto Paiva e Jorge Ladimar voltaram à ilha de Marajó. E constataram: nada mudou.

A Ilha de Marajó, no extremo Norte do Pará, tem uma das populações mais pobres do país. Quando um grande barco atraca, mulheres e crianças surgem em canoas. A maioria fica à espera de alguma ajuda, por menor que seja. Mãe de sete filhos, a dona de casa Maria Emília Oliveira de Almeida levou dois para vender frutas aos passageiros. “Venho vender para pelo menos comprar o pão das crianças, porque meu marido é doente, não pode trabalhar. Eu trabalho para sustentar a casa”, aponta a dona de casa Maria Emília Oliveira de Almeida.


Nos 16 municípios do arquipélago do Marajó vivem 440 mil habitantes. A rede pública de saúde é precária. Não há um único leito de UTI. Na cidade de Breves, o hospital municipal está abandonado. Há ambulância quebrada, cães e gatos circulando pelo pátio. Quando chegamos, não havia luz no hospital. Lá dentro, buracos nas paredes, colchões velhos, equipamentos enferrujados. O lavrador Raimundo Bispo foi picado por uma cobra. O pai dele conta que no hospital falta até o que não poderia faltar: “Compramos atadura de R$ 4,30 todos os dias. Se não comprar não é feito curativo”. O auxiliar de serviços gerais Afonso Gonçalves da Silva ia comprar remédio para o sogro que está internado lá: “Não tem o remédio e aí manda comprar, o jeito é comprar porque não quero ele sofrendo”. A dona de casa Dinaíuza Moura teve o couro cabeludo arrancado pelo eixo do motor do barco, um tipo de acidente que acontece com freqüência no interior do Pará. Ela acha que o tratamento não vem dando certo. “Tenho muita dor na minha cabeça, de noite não consigo dormir, choro mesmo com dor na minha cabeça, não pára a dor”, diz a dona de casa Dinaíuza Moura. O diretor do hospital municipal de Breves, Adelson Costa, reconhece que faltam médicos. Repórter: Vocês têm pediatra? Diretor: Não. Repórter: Ginecologista? Diretor: Não. Repórter: Cardiologista? Diretor: Não. Repórter: O que vocês têm aqui? Diretor: Clínico geral e dois cirurgiões. Para muitos pacientes, a saída é procurar atendimento médico em Belém. Eles vão de barco. Instalam redes no convés e se preparam para uma viagem de 12 horas. O barco estava lotado. A aposentada Maria Luisa Rodrigues, de 68 anos, tem osteoporose e toda vez que vai ao médico o jeito é suportar as dores e enfrentar o desconforto. “Está muito apertada a rede e é muito quente, dói minhas juntas, os ossos. Vou chegar muito baqueada, com dor nos ossos”, reclama a aposentada Maria Luisa Rodrigues. O médico mandou ela tomar leite diariamente. “Estou receitada de tomar leite quatro vezes por dia e não tenho dinheiro para comprar porque paguei a passagem”, conta a aposentada. Francinete faz seis viagens por mês até Belém. Ela tem problemas na coluna, cistos nos seios e poucas alternativas. “Se não for assim vai à morte mesmo”, diz.

O bispo da Prelazia do Marajó, Dom Luiz Azcona, diz que quando o caso é grave há pacientes que não resistem e morrem no caminho. “Eu sou testemunha. Parece cruel, desumano, é o descaso das nossas autoridades pelas vidas humanas e pela dignidade das pessoas”, confirma o bispo da Prelazia do Marajó Dom Luiz Azcona. Na semana passada uma grávida do município de Anajás estava em coma e foi de avião para Belém, mas acabou morrendo. Segundo a secretaria de saúde do Pará, quando o caso é grave, os bombeiros podem buscar os doentes na Ilha de Marajó de helicóptero. Uma grávida foi resgatada no município de Curralinho, a 160 quilômetros de Belém. “Nosso maior problema é que as pessoas se deslocam sem procurar o serviço de saúde no município”, afirma a secretária-adjunta de Saúde (PA) Daniele Soares Cavalcante. O técnico em refrigeração Enésio Pinheiro dos Reis diz que procurou a prefeitura de Curralinho para pedir que a mulher fosse transferida para Belém, mas a resposta foi negativa. “Falei que ela estava passando mal. Falaram que não tinha passagem para Belém e deram R$ 30 com a cara brava”, conta o técnico. A mulher dele, a dona de casa Laudiseia do Vale Martins, passou mal durante a viagem e foi socorrida às pressas pelos passageiros e por funcionários do barco. Estava inconsciente. Segundo o marido, ela havia perdido o bebê há um mês e vinha apresentando sangramentos. Por sorte, havia uma enfermeira entre os passageiros. Quando chegou a Belém, foi socorrida por uma ambulância. “Cheguei a pensar que ia morrer, que não tinha mais jeito, só Deus mesmo me livrou e me salvou dessa”, agradece a dona de casa Laudiseia do Vale Martins.

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